sábado, 16 de junho de 2012

Quem te viu, quem te vê: sopa de cenoura e gengibre

Essa é mais uma história do garoto que não comia vegetais. Verduras, legumes e boa parte das frutas estavam fora de seu cardápio e passavam longe do que considerava gostoso. Nada no mundo o convencia do contrário a não ser a necessidade vital de nutrientes [o que o fazia encarar tudo como suplemento ou remédio] e a persistência por parte da cozinheira, a qual se convencera a algum tempo atrás de que não existe comida que se goste e sim comida que não foi feita de uma maneira que se goste.

Isso parece repetitivo e de fato o é, mas esta é a minha vida.

Ontem à noite, algo me dizia que deveria fazer alguma coisa para comer no jantar. Fiquei com essa sensação, sem saber o que a intuição estava me mandando fazer. Inicialmente pensei em um angu de fubá molinho, mas logo desisti por saber no fundo que não era isso, ainda. Pode ser também que tenha desistido por não ter nenhuma coisa legal para fazer um molho de acompanhar angu, mas isso não vem ao caso. O fato é que a ideia do angu foi se afastando e dando lugar a pensamentos mais nefastos e complexos ligados diretamente à sopa.

Poderia ser ervilha? Sim, pois eu a tinha no armário, além de agradar os corações mais exigentes no campo sopístico. Ele adora sopa de ervilha e esta sempre é a sua opção número um para qualquer menção a pratos quentes, confortantes e invernais. Ocorre que eu fui criada comendo sopa de ervilha com calabresa e outras carnes, digamos, mais para o estilo feijoada. Em casa de minha mãe - e tias e adjacências - a sopa de ervilha é um clássico feito à "velha escola" de pessoas que não se preocupavam com entupimentos em coronárias e outras obstruções. Assim sendo, eu abortei a missão da sopa de ervilha, não sem alguma resistência por parte das outras partes, por pura falta de calabresa. Vejam bem o tanto de apreço que o sujeito tem por esta sopa, uma vez que mesmo apresentando a falta de calabresa como motivo incontestável para adiar a sopa ele perguntou, assim como quem não quer nada: "Não dá pra fazer só com bacon?"

Depois de eu dissuadi-lo da ideia de comer sopa de ervilha [ficou para hoje como preço das negociações], continuei com os pensamentos que me levaram ao inventário mental da geladeira, que me levou a única opção possível. Sopa de cenoura! Era o que tinha e mais nada, a não ser um poucos rabanetes e tomates cerejas, que convenhamos, ficam tão sem função nas temperaturas quase glaciais do outono/ inverno nesta cidade fria. Perguntei ao companheiro querido, que estava trabalhando o dia inteiro com milhares de tarefas, se ele comeria uma sopa de cenoura se eu a fizesse. "Com gengibre!", ressaltei como se isso o fosse animar. Ele respondeu que sim com o ânimo de quem vaia para um casamento, mas no fundo sei que não se convenceu. Usou sua frase padrão para esse tipo de questionamento: "Tá, eu posso comer." Que significa: "Não é o que eu queria, mas eu faço o esforço."

Passa da etapa, decisão / convencimento eu coloquei uma panela com água para ferver e fui catar uma ervas lá fora. Tive que usar ervas locais [da minha varanda mesmo], porque as outras estavam na horta lá no final do condomínio e o frio e as roupas de frio ridículas me impediram de ir tão longe buscar mato pra sopa.

Foto clássica de sopa sem iluminação adequada.
Acho que estava mal influenciada pelo programa culinário da Rita Lobo - que mostrou receita de sopa de abóbora - e tive a nefasta sugestão de ferver a água primeiro para depois juntar a cenoura e os temperos. Shame on me! Pode até ser mais saudável, mas o sabor... Não sei, estamos falando da pessoa que não gosta de vegetais e tampouco sopas feitas com eles. Então me ocorreu que deveria - é claro, porque não pensei nisso antes - assar as cenouras com temperos e depois bater tudo para formar um creme bem mais intenso e com um leve sabor caramelado. Assim sim, foi o que fiz.

Tabuleiro pequeno, cenouras cortadas ao meio no sentido do comprimento [cerca de 300 gramas], três dentes de alho inteiros e descascados, um pedaço de gengibre, uma colher de chá de mel, um pouco de azeite, uma pitada de sal e pimenta moída na hora. Mistura tudo, dá uma arrumada de modo que as cenouras não fiquem sobrepostas e forno bem quente. Eventualmente, é bom abrir o forno e dar uma mexida geral em tudo e quando as cenouras estiverem macias e carameladas [com as bordas pretinhas] é só retirar e bater no liquidificador com água quente e algumas ervas [no meu caso usei tomilho e manjerona]. Isso feito, passe a sopa pela peneira e aperte bem para sair todo o caldo grosso. Se for necessário bata de novo o que sobrou na peneira no liquidificador com um pouco do líquido coado. Não sei, mas no caso da sopa de cenoura acho que a etapa da peneira é fundamental para os pedacinhos que ficam não incomodarem, Digo isso, porque da última vez que fiz sopa com vegetais mais duros fiquei incomodada com a textura, embora o sabor estivesse ótimo.

Intuição e queijo!
O caldo coado volta para o fogo até engrossar bem. Quando estiver quase pronto, acerte o sal, coloque um pouco de manteiga para aveludar o caldo e um fio de azeite para o sabor. Eu servi com farofinha de farelo pão e queijo minas curado. Acredito ter intuído muito bem acerca da sopa e principalmente do queijo minas no lugar do parmesão, já que o sabor mais forte combinou muito bem com o adocicado quente da cenoura e do gengibre. Comemos, ficamos vermelhos e com a cara quente e o termômetro pessoal para comidas gostosas que mora comigo disse que comeria mais se tivesse e que ficou muito bom. Quem te viu, quem te vê!

quinta-feira, 7 de junho de 2012

Provando a irrestibilidade do meu feijão, parte II

Eu estou sumida, mas não completamente. A quantidade de coisas para fazer e alguns eventos de fim de semana tem me tirado da cozinha ultimamente, pelo menos no que diz respeito às experimentações e novidades culinárias que eu tenho que anotar para não esquecer. Tenho cozinhado apenas para subsistência - o que já é muita coisas, visto que poderia apelar para não-comidas congeladas - e para pequenas reuniões sociais regadas a quantidades astronômicas e cansativas de pizzas.

Dito isto, venho aqui fazer um update das atividades culinárias das últimas semanas, corridas e um pouco preguiçosas. Especialmente no que diz respeito ao quesito escrever, a resistência tem sido grande, desde que dei um tempo na famigerada dissertação. Se por um lado sobra tempo, por outro sentar na frente de uma tela e ficar gastando meus preciosos neurônios com letras não me parecia tão atrativo.

Percebo escrevendo essas palavras agora que na verdade o "dar um tempo" me fez bem. As ideias estão fluindo melhor e o texto não me parece tão forçado, como obrigação de blogueiro sempre alerta e feliz. Não sou blogueira e quase me confundi tentando ser. O melhor é seguir o meu ritmo e quando der vontade de vir aqui eu o faço. A única implicação negativa que posso observar nessa posição é o fato de perder algumas receitas pelo caminho, já que não estarão registradas, mas é um preço justo.

Escrevo, como uvas velhas e aguardo a hora de sovar um pão. Um que eu acabei de achar procurando um pão rápido e prático - palavra nefasta - para eu tomar café sozinha hoje à tarde, que infortúnio. Impetuosamente aceitei essa receita aqui [literalmente] sem pensar muito sobre ela e sem uma infinidades de pesquisas pela rede atrás do "melhor" disso ou daquilo. Tem dias em que você só quer o básico, ainda mais depois de ficar lendo livros heréticos sobre personalidades que criam a mais valiosa empresa de computadores do mundo a partir de simplificações e minimalismos.

Pausa para sovar [mexer] o pão!

A massa tá tão molinha que sovar me parece um erro semântico.

Voltando a conversa inicial, que já está perdido, visto que alguns parágrafos [contei, mas acho que parágrafo de uma linha é meio que café com leite, então resolvi por alguns] depois eu ainda não toquei no assunto feijão propriamente dito. A correira, a confusão, a preguiça - ah tá, lembrei - e alguns problemas de ordem pessoal me afastaram da culinária. Sim, mas não por completo e esse simples feijãozinho de sábado, merece minhas honrarias e considerações por escrito de tão perfeito que ficou. Claro que a perfeição está medida aqui de acordo com a minha escala feijonística de perfeição. Sem dúvida, na minha opinião, esse foi o melhor feijão que eu já servi para alguém. Esta também foi a opinião do meu querido companheiro, mas ele só tem 10 anos de feijões ao meu lado não pode avaliar a escala evolutiva prá-relacionamento. Além disso, [dei um tapão sem querer na bacia e as uvas voaram longe - ainda bem que só tinhas umas poucas murchas] ele ficou com o que eu consideraria a cara do feijão perfeito, com o caldo grosso, mas caroços firmes, que quando você põe no prato ele se esparra sem perder a  cremosidade e fica com uma textura aveludada envolvendo seus pequenos grãos.Essa foi uma descrição meio poética de mais para feijão, mas foi assim que ficou e se tivesse que usar uma imagem, acho que parece aquelas cenas de canais de TV pseudo-científicos que mostra a lava de vulcão escorrendo lentamente por uma superfície. Geológico demais, mas foi a única coisa que me veio a mente.

O fato é que eu estava a fim de comer feijão já tinha um tempo e as minhas últimas tentativas, digamos, não foram aprovadas no meu controle de qualidade pessoal. Depois que extingui a última porção de feijão preto que tinha no freezer - finalmente, pois demorou uma vida pra acabar - fui atrás de feijões de outros tipos para variar um pouco. Acontece que o término do meu feijão preto calhou de coincidir com uma abdução coletiva de todos os outros tipos de feijões do mercado, o que atrapalhou minha busca em alguma semanas.  Parece uma saga, exageradamente detalhada para simplesmente comprar feijão, e foi por isso que desisti de ficar me afundando exaustivamente num mar de indecisões sobre melhor tipo de feijão e pegar um pacote de carioquinha que era o que tinha no mercado.

Uma vez em casa o pacote de feijão carioquinha morou no armário por um bom tempo antes de ver a luz, finalmente. Sempre pensava em fazer mas alguma coisa conspirava contra e eu acabava desistindo. No último fim de semana, aproveitei que estava meio agitada demais, fazendo um milhão de coisas ao mesmo tempo e procurando mais coisas para fazer, e fui cozinhar feijão. Vou comer feijão nesse fim de semana e estava decidido. Na quinta à noite coloquei o feijão de molho na água - assim não teria escapatória. Na sexta pela manhã, antes de sair para resolver alguma coisas que não me lembro mais, troquei a água do molho e pensei em cozinhar o feijão para o almoço. Quando voltamos da rua, já era muito tarde e a fome era maior do que o tempo necessário para o feijão ficar pronto, então fizemos um lanche [eu acho] e deixei ele aguardando seu momento, mais tarde. Nessa hora, apenas troquei a água mais uma vez dando uma lavada geral em tudo. No fim da tarde de sexta, coloquei ele para cozinhar - e a essa altura já sabíamos que comeríamos pizza no dia seguinte - pizzas que sobraram do fim de semana anterior.

Cozinhei meio quilo de feijão carioquinha com quatro folhas de louro e dois dentes de alho inteiros. E, importante, joguei os grão na panela de pressão com a água fervendo, deixei a temperatura aumentar e tampei. Depois de começar a chiadeira, mais trinta minutos e uma feliz revelação ao abrir a panela. O aspecto do feijão tava tão perfeito, que em não podia simplesmente congelar ele todo. Estava tão promissor e fresco que eu "tinha que" temperar uma parte e comer, apesar da sombra da pizza por vir. Separei metade,  aproximadamente, nos potes para o freezer e comecei a temperar o restante.

Para o tempero, só o essencial e algumas carnes pra dar uma sustância. no pilão foram três dentes de alho, uma pitada de sal e algumas folhas de manjericão. Na panela, com o fogo sempre baixo [feijão requer paciência], bacon picado até soltar a gordura. Depois a pasta de alho até dourar e, por último, calabresa em rodelas até ficaram bem crocantes. Depois que esse tempero apura bem, é preciso juntar o feijão, mas não tudo junto. Primeiro, uma concha com mais caldo para limpar o fundo da panela e em seguida, o restante do feijão que fica apurando no fogo baixo até começar a ferver e engrossar ainda mais. Só no fim, sal - meia colher de chá - e pimenta do reino a gosto.

Ficou incrível e eu prontamente abasteci uma caneca, como manda a tradição, feijão e um fio de azeite por cima. Não sei se a culpa antecipada pela eminência da noite da pizza ou o fastio pela lembrança do cafe da tarde ainda fresca, fez meu querido companheiro desistir do feijão para o jantar de sexta-feira. Eu deixei ele esfriando para o almoço do sia seguinte. Acontece que algumas poucas horas depois, alguém não resistiu e se pronunciou com fome: "Bem que eu comeria feijão agora", foi a frase que ele proferiu. Eu prontamente fui aquecer o caldo para comê-lo como uma sopa com pão torrado. Pra quem não queria jantar até que a disposição foi boa, visto que a sobre não dava nem para um almoço no dia seguinte.

No almoço do dia seguinte, fiz um pouco de arroz para acompanhar e temperei o feijão que estava no pote para ser congelado, pois o que tinha não dava e necessitávamos de mais feijão àquela altura. Comemos de novo e do feijão que iria todo para o freezer só sobrou um potinho. Refeição confortante, mais caseira impossível e deliciosa. No almoço, ainda refoguei um pouco de couve da horta para meu acompanhamento - o companheiro não gosta de couve - e posso tirar minha licença para feijoada, pois o teste foi muito bom.