sexta-feira, 2 de março de 2012

Funghis pra que te quero. Um risotto com os dois Ts

Esta receita está muito atrasada, pois ainda era resquício de feriado de carnaval quando eu resolvi prepará-la. No sábado, depois de toda uma semana de descanso, passeios de bicicleta e cozinha para aproveitar um pouco da disposição que eu tinha, estava pronta pra encarar um risoto de verdade e com um traço de sofisticação.

Até então minhas experiências nesse campo se resumiam a risotos meio fakes, ou seja, com arroz comum, sem  manteiga [considero esta a maior das heresias] ou sem vinho. Em suma, faltando vários elementos ou apenas um deles, nunca a minha lista de ingredientes estava completa para reproduzir um risoto genuíno, pelo menos não como consta nos manuais de culinária. Apesar de eu, é claro, não dar a mínima para purismos e certezas imutáveis tentando sempre valorizar o sabor dos e a experiência culinária como itens imprescindíveis para a minha cozinha.

Mesmo assim, mesmo achando que a falta dos ingredientes tradicionais de um prato não é impeditivo para a sua preparação, não custa nada, de vez em quando e sempre que as condições favorecerem, seguir uma receita como ela deve feita com base na tradição que criou determinado tipo de preparação. Clássicos são clássicos em qualquer esfera e merecem ser ao menos conhecidos eventualmente, embora eu não tenha muita certeza sobre o que esta frase quer dizer e nenhuma ideia filosófica mais profunda sobre o conceito de clássico para nenhum campo do conhecimento, que fique bem claro, não tenho pretensões de criar causo por causa das possíveis implicações de fundo elitista que ta proposição possa acarretar.

Pra ficar bem mais chato [e meio acadêmico, sinônimo?], considero aqui clássico como algo ligado à tradição, mais também ao icônico e ao simbólico, bem como, e porque não, à abstração. Por exemplo, existem um zilhão de combinações e tipos de risoto por todo o mundo, incluindo aí todos os regionalismos e variações provenientes da Itália, seu país de origem. O que não nos nega um certo patrimônio cultural único que resumem neste prato um valor simbólico e ao mesmo tempo representativo da culinária italiana como um todo. Além disso, existe também o conceito de risoto, o qual prevê um prato com arroz, manteiga [que poderíamos dizer gordura cremosa, para ser mais extensivo] e queijo [os mais variados tipos] e este é o terreno da abstração. That's enough! Isso tá igual monografia. Boo...ring!

Depois desse tratado quase epistemológico e bem presunçoso sobre ser a coisa, falemos da coisa em si. Antes que minha audiência de 1, 2, 3 e talvez 4 pessoas vá embora achando que estão no blog errado. Será que estou sofrendo de carência acadêmica? Só porque fui na Universidade hoje e falei sobre coisas acadêmicas um tantinho de nada? Nããão!

Vários fatores [e algumas ideias malucas sobre "como organizar sua despensa"] fizeram eu adiar a preparação do verdadeiro risoto [com todos os itens oficiais] por alguns longos meses. Não muitos se compararmos com a quantidade de anos que passei sem saber do que eram feitos os risotos de verdade. Sim, eu também achava que era só um arroz enfeitado. Como já disse, eu sempre estava com algum ingrediente faltando na hora H; eu moro a uma distância considerável dos mercados com alguma decência; eu não faço coleção de alimentos de mesmo tipo - nas suas diversas variedades - no armário de compras. Como já tinha arroz branco e integral, nada de mais arroz até acabar.

Pouco tempo atrás, enquanto no meu armário o arroz branco ia de despedindo, no mercado uma caixa de arroz arbóreo esperava por mim. Trouxe nas compras e ele ficou lá aguardando a sua vez. Confesso que o funghi meio no impulso, um pouco antes, numa ida a delicatessen me abastecer de outros itens. Vi o pacotinho lá no balcão e lembrei do risoto [lembrei também que não tinha o arroz certo, mas ignorei na hora], titubeei e mesmo assim pedi ao vendedor para incluir. Nessas relações comerciais mais pessoais não existe espaço para desistências. Aos poucos eu ia juntando tudo o que era necessário para concluir esta missão.

O dia não poderia ser mais propício. Pedalamos pela manhã, fomos ao novo point de ciclismo recém-descoberto e batizado de "o açude". Voltei faminta; não a ponto de comer um braço; tanto que ainda tive discernimento e clareza para decidir preparar um almoço, resistindo a tentação de comer qualquer coisa. O que não aconteceria se estivéssemos no limite da autofagocitação. Decidi então que era chegada a hora, apesar de ter tomado tal decisão sem muita precaução ou antecedência. Banho rápido e cozinha.
Não tenho palavras [sério, eu não tenho mesmo - nada me vem a cabeça]
Hidratei o funghi com um pouco de água quente e piquei ele em pedaços menores. Retirei do freezer um pote de caldo de frango caseiro [dessa vez tinha até caldo - um luxo, risoto completinho] e umas cascas de abóbora e pus tudo pra ferver completando com água até fazer aproximadamente um litro. Juntei a esse caldo a água do funghi hidratado. Piquei cerca de meio talo de alho poró e comecei a fazer o prato propriamente dito. Numa panela larga: um pouco de manteiga, um pouco de azeite e alho poró pra refogar; uma xícara de arroz arbóreo e o funghi picadinho para incorporar o sabor; pouco menos que um cálice de vinho branco, tchiiii, fumaça e aroma de vinho. Depois que o álcool evapora um pouco foi só ir juntando o caldo e mexendo para cozinhar o arroz al dente. No fim, mexendo a panela em fogo baixo, uma quantidade generosa de manteiga e outra quantidade generosa de parmesão ralado na hora. Essa receita é bem simples e resolvi não inventar muito para deixar com que toda a intensidade do funghi reinasse absoluta no prato. Coloquei um pouco de pimenta do reino, mas abdiquei do sal em função da manteiga e do parmesão já serem salgados o suficiente.

Ficou, na minha modesta opinião, muito aprovado e com grandes chances de ser repetido [ainda tenho funghi]. O companheiro que não gostava de cogumelo não resistiu a segunda rodada de risoto e comeu feliz como se não houvesse amanhã. Na verdade, segundo ele, o desgosto pelo cogumelo estava diretamente relacionado ao champignon, o que, convenhamos, faz todo sentido. Expliquei pra ele que essa conserva de champignon do mercado é uma afronta e nem pode ser classificada como comida, mas ele ainda estava reticente. Agora suas desconfianças acabaram e o caminho está livre para outras variedades de fungos comestíveis, dessa vez bem frescos, gordinhos e esponjosos.

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