sexta-feira, 23 de dezembro de 2011

Guia da autossuficiência doméstica: Episódio Sorvete de baunilha e a licença para uma sorveteira

Antes que eu me esqueça - lá se vai uma semana desde que esse sorvete foi feito - preciso dizer a imensa satisfação de fazer meu próprio sorvete. Pode ainda não ser o melhor sorvete de baunilha do mundo, mas aqui em casa - veja bem, eu disse em casa, o que significa que não poderei ter controle sobre escolhas alheias - o potão de 2 litros do mercado não entra mais. Pode ficar melhor? Pode. Essa opinião não é só minha, pois meu querido companheiro, paladar em treinamento, já soube bem a diferença brutal para o sorvete de "creme" comprado pronto. Acho que é por isso, essa diferença tão grande, que eles não põe baunilha na embalagem já que seria um grande desaforo.

Soverte de baunilha de verdade, um grande clássico, produzido em casa, de maneira meio rudimentar, batendo na mão de tempo em tempo e, ainda assim, infinitamente superior a qualquer outra coisa que a Nestlé e companhia insistem em chamar de sorvete. E depois disso, definitivamente, posso me considerar uma pessoa que gosta de fazer sorvete - mesmo considerando o suposto trabalho que venha embutido -, por isso completamente habilitada a ganhar minha sorveteira sem que ela se torne uma quinquilharia inútil do "Museu das Grandes Novidades".

Orgulho intenso!


Vejamos outro ponto: quando digo sorvete de baunilha de verdade estão envolvidas diversas questões para serem processadas pelos mais desavisdados. Primeiro foi feito de quê? De baunilha. E por mais que isso parece óbvio, não é. Na maioria dos casos, nós, simples mortais antes desprovidos de conhecimentos culinários, supomos ignobilmente que aqueles vidrinhos com líquido preto vendido no mercado como essência seja de fato alguma coisa feita de baunilha. Muitos inclusive não reconheceriam uma fava de baunilha de visse uma [até porque elas são difíceis de achar]. Entretanto, aquele líquido do vidrinho não é feito de baunilha, provavelmente todo produto de supermercado que se proclame "de baunilha" não o será e o sabor das pequenas sementinhas pretas retiradas da fava é verdadeiramente uma perdição.

Tudo bem que a fava de baunilha é cara para os padrões normais de qualquer outro alimento [paguei 8 pratas em umazinha só], já que precisa de um milhão de fatores pra ser produzida, além de um monte de gente pra fazer o trabalho da natureza e polinizar manualmente as flores. Apesar disso, compensa em muito o custo, tanto pelo sabor incomparável quanto pelo rendimento. Exceto pelo fato de se você, como eu, estiver muito empolgado com o cheiro inebriante da fava aberta colocar todas as sementes da fava no sorvete, que apesar de delicioso, ficou baunilhosíssimo. Uma solução meio termo, a qual já estou providenciando, é fazer o extrato de baunilha por conta própria, com algumas favas e um veículo alcoólico que extraia o sabor das sementes.

Um outro problema é que, além de cara, a baunilha é difícil de ser encontrada para vender. Tenho a impressão de que não é muito procurada pelas pessoas em geral, a não ser os muito aficionados. Procurei durante um bom tempo até encontrar a venda em uma lojinha de produtos naturais, surpreendentemente, aqui mesmo na minha cidade. O engraçado foi que quando eu perguntei para a atendente na loja se ela tinha baunilha ela respondeu "Ih, mas eu só vou ter assim, quer ver? Em fava", trazendo um saquinho de baixo do balcão com um monte delas. "Mas era exatamente assim que eu estava procurando". Nem pensei muito e comprei uma, só pra experimentar, já sabendo que a cobaia seria um sorvete clássico.

Entretanto, eu tenho um karma-pessoal-climático com sorvete. Como já disse, é só eu fazer sorvete que o tempo vira e chove durante longos dias. Nesse caso, o produto nem precisou ficar pronto. Foi por eu achar o ingrediente mais difícil do sorvete de baunilha que o verão de 2012 está sendo chuvoso e mais frio que o normal. E todos pensando no aquecimento global. "Rá!"

Na semana passada, uma nesga de sol - como diria meu querido companheiro - apareceu e eu já tava no embalo culinário [com direito a faxina e tudo - acho que essa faxina me traumatizou porque eu tô repetindo isso de novo] propício para toda a tarefa de fazer o sorvete. Creme de leite comprado, ovos caipiras bem bonitos e todas as músicas do Queen no playlist. Não sei porque, mas meu espírito levemente amalucado de sábado passado achou que Don't Stop Me Now combinava perfeitamente com ir fazer sorvete. Perdoem-me a sandice, mas ainda acho que combina, incentiva o sujeito a continuar mesmo sabendo que vai demorar a poder comer o resultado do esforço e, quiçá, ajuda a receita a não desandar. Então, toca o Queen que não tem erro.

Utilizei a receita, não sem antes fazer inúmeras consultas [baunilha é cara e eu precisava ter certeza], que todo o universo de food bloggers usa: a do David Lebovitz, que consta no livro do moço e aqui ó. Fiz a versão francesa e não a "philadelphia style", pois como já disse, eu tenho um certo apego a clássicos da culinária e a França já era França antes de a Filadélfia sequer sonhar a existir como tal. Então vamos por ordem cronológica de tradições, contrariando todas os historiadores mais moderninhos. Até porque acho que variações, apesar de bem-vindas, por devaneio ou necessidade, só devem ser feitas em coisas que se conhece com um mínimo de propriedade e descobri que baunilha e seu sorvete não faziam parte do meu repertório de experiências gustativas ainda.

A receita foi seguida quase a risca mas coloquei um pouco menos de creme de leite, cerca de 360 ml ou uma xícara e meia, e um pouco menos de açúcar, cerca de 130 gramas. Não usei o extrato de baunilha, mas coloquei a mesma quantidade em vodka, porque o álcool ajuda nos processos, segundo os entendidos.

Depois deixei gelando por umas 6 horas e foi tudo pro freezer. O sorvete feito sem sorveteira teve que ser batido manualmente de tempo em tempo para evitar a formação de cristais de gelo. Duas vezes na primeira hora e mais duas vezes de hora em hora. Vale totalmente a paciência e ficar tomando conta do sorvete.

Como era previsto meu karma climático não falhou mais uma vez. No domingo, dia em que o sorvete poderia enfim ser comido o dia amanheceu cinza, frio e chuvoso. Clima zero para sorvetes e em mim a preguiça descomunal que me acomete no pré-férias [eu fico profundamente preguiçosa, mal-humorada, e ao mesmo tempo negligente e preocupada com o acúmulo de trabalho devido a preguiça anteriormente citada pouco antes do início das férias - e todo ano again and again]. Então, por incrível que pareça, não comemos o sorvete no domingo. Pior, tinha comprado um panettone pra comer junto e ele também resistiu bravamente fechadinho na embalagem.

O fim da história que já tá meio longo? Na segunda, mesmo o tempo ainda estando lusco-fusco, eu cheguei doida pelo sorvete, menos pela sobremesa em si e mais pela curiosidade de saber como ficou o resultado. Pote na mesa depois do jantar e ao colocar a colher [que não era de sorvete - ainda não tenho - eu sei, podem me bater agora] muito duro. Espera um pouco até dar aquela derretida e serve sem nada par acompanha, afinal era um teste. O sabor ficou indescritível. Muita baunilha, um creme lindíssimo pontilhado de preto, sem gosto de gordura hidrogenada, emulsificantes e petróleo, e, principalmente, sem aquela sensação de estar com gordura velha na boca depois que você come. Macio na medida certa, com uma ótima textura que derrete na boca e os veredictos:

Sorvete do mercado never more.
Sorveteira coming soon

E o comentário do crítico de culinária mais sagaz de todos:

"Acho que podia ter menos açúcar, você não acha?" Apesar de inconveniente o comentário me deixa orgulhosa, pois o programas "Como treinar [o paladar do] seu marido" está funcionando.

Algumas notas:

O problema do sorvete duro demais foi resolvido diminuindo um pouco o termostato do freezer, jpa que por essas terras a temperatura é amena.

O problema do açúcar, por incrível que pareca, já havia sido detectado pelo meu querido companheiro antes mesmo do sorvete ir para o congelamento. Logo, "it's works"!

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