Neste primeiro episódio o legume escolhido não é nem um desgosto apenas - como os de quem é chato para comer - mas é quase um trauma de infância. Meus problemas gustativos, aparentemente solucionados, são com a berinjela. Digamos que meu primeiro encontro com o vegetal, ainda criança, foi bastante desagradável e isso foi determinante para nosso relacionamento instável.
Certa vez foi com minha mãe e meu irmão em uma excursão que tinha como objetivo passear por algumas cidades visitadas apenas por casais de velhinhos e pessoas que realmente estão [im]pressionadas pela perspectiva de participar de um grupo que viaja de ônibus. Bem, coisas estranhas à parte, é assim que começa minha história de ódio e tolerância com a berinjela.
Nessa excursão, hospedamo-nos em um hotel cujas refeições eram bastante satisfatórias, de acordo com as minhas não confiáveis lembranças de infância. Algumas coisas ficaram bem registradas como a manteiga em bolotinhas que ficava em uma espécie de tina de metal cheia de água, gelo e bolinhas amarelas. Isso foi uma coisa que me impressionou por eu nunca ter visto antes e acho que no momento em que vi pensei no absurdo de ter manteiga na água. Recordo também do salão grande em que comíamos, com muitas mesas e pessoas, que hoje deixa a impressão de ter me hospedado em um hotel grande, do tipo prédio, como dificilmente escolho para ficar quando viajo.
O lance das berinjelas, aconteceu num jantar nesse hotel. Todos se serviam em torno da mesa com as comidas e eu avistei uma cuba dessas de self-service com um picadinho de cubos marrons. Conclusão: eu achei que fosse picadinho de carne e fui na fé e no olho grande pegar a tal carne. Na hora que mordi a coisa, obviamente não se tratava de carne coisa nenhuma mais sim de berinjela. Há um lapso nessa história, pois não sei ao certo como eu fiquei sabendo que aquilo que eu comera era berinjela e só me lembro de fato de uma coisa: não era carne!
Meu ódio, então, não se refere ao gosto da comida em si, mas ao desgosto de ter uma grande expectativa frustrada na primeira mordida. Sem contar o gosto amargo da berinjela, especialmente, para um paladar infantil como era o meu caso. Fiquei muito puta ao morder aqueles cubinhos pequenos e descobrir que não eram o que eu esperava e isso foi irreconciliável. Daí em diante eu jurei ódio ao vegetal em questão e não mais quis saber dele de nenhum modo. Claro que isso foi facilitado pela cultura gastronômica geral da minha casa, a qual não incluía berinjela no cardápio, salvo - é claro - quando virou moda passageira utilizar o seu sumo [ou cápsulas - dã!] em mandingas emagrecedoras milagrosas. Mas isso também não foi pra frente lá em casa e se restringia aos adultos.
Mesmo depois de crescida, já com uma parte do discernimento formado [pelo menos é o que se supõe], ainda não via motivos reais para fazer da berinjela um vegetal comível em minha rotina alimentar. Passei também pela fase do repudiar o seu aspecto, o qual considerava nojento e pouco apetitoso, e já cheguei a recusar um pouco daquele famoso antepasto. Para mim não era concebível comer tal mistura de coisas com aquelas tirinhas marrons ameaçadoras de qualquer senso de estética dos alimentos. Enfim, tenham paciência com uma alma adolescente e com todas os problemas e virtudes que dela possam advir.
O que me fez mudar? Realmente não sei. Num belo dia acordei achando o tal antepasto uma coisa adorável e bem bonita, vai entender. Ainda assim, eu só achei uma foto bonita e apetitosa e não estive em contato com a coisa de fato, apenas o interesse despertado e uma possibilidade de mudança no jogo. Ah! Isso foi a bastante tempo e me lembro que vi a foto de uma página impressa do site da Ana Maria Braga com o antepasto no carro do meu pai, quando estávamos indo - eu e meu irmão - passar um fim de semana na casa dele. Ainda cheguei a comentar, sabe lá porque, que aquilo era gostoso sem nunca ter experimentado nada parecido antes. Acho que foi a foto!
Depois desse súbito e infundado rompante de amor ao vegetal antes odiado levou ainda um bom tempo até que eu resolvesse experimentá-lo e quando o fiz - já na fase adulta - o resultado da tentativa não foi muito satisfatório. Acho que a preparação não estava das melhores - comi no restaurante que costumo almoçar perto do trabalho - e tinha um gosto bastante amargo e oleoso, além do aspecto não muito palatável. Peguei aquela mínima porção de berinjelas refogas naquele dia por raiva de mim mesmo [talvez] ou por estar com muita vontade de provar para mim mesmo que poderia gostar de berinjela. Que saga!
Deixei pra lá, até que um belo dia em que, no mesmo restaurante, nenhuma das carnes me pareceram saborosas o suficiente e a vontade de comê-las era nula [acho que meu problema era com carnes em geral no dia]. Nesse ponto já havia começado a minha mudança de hábitos alimentares e ao avistar um tabuleiro cheio de disquinhos de berinjela cobertas de queijo e com molho de tomates, sabia que seria esse o meu almoço. Não deu outra, estavam deliciosas, no ponto correto em termos de textura [nem muito moles, nem muito duras] e comi tudo aquilo com gosto e com a satisfação da vitória.
Tanto que decidi que iria reproduzir a receita em casa e tentar convencer até os mais radicais que sim, berinjela era bom. Concluí, acertadamente, que o apelo ao queijo seria de grande valia para tocar os corações mais inquietos. Assim, após muitas olhadelas de soslaio para banca de berinjela no sacolão, muita dúvida sobre levá-las ou não para casa naquela compra e muita resistência por parte dos acompanhantes de mercado dizendo: "Pra quê isso aí?", comprei duas berinjelas pequenas e finas [por algum motivo oculto achei que elas finas são melhores].
Ontem foi o dia de me aventurar na cozinha com elas. Preparei meu espírito para as questões por vir e segui em frente com buscas infinitas pela internet para achar algum prato que pela foto fosse semelhante com o do restaurante. Muitas dúvidas! Nunca havia cozinhado berinjela antes na minha vida e não podia errar com tanta expectativa em jogo. Não sabia se cozinharia adequadamente apenas no forno com o molho, se precisava cozinhar antes, for as milhares de dicas diferentes de como tirar o amargo essencial. Desisti das receitas e iniciei uma empreitada meio free style, by myself, com leve inspiração numa berinjela à parmegiana.
Cortei uma delas em discos grossos, coloquei em um escorredor e salpiquei sal por sobre elas [dica um para tirar o amargo], depois coloquei elas mergulhadas na água com vinagre e deixei por meia hora [dica dois para tirar o amargo]. Na dúvida usei todas as dicas de tirar amargo e de certo não sei qual a que fez efeito. Escorri bem, sequei no secador de saladas e, na dúvida, resolvi grelhar cada um dos discos numa frigideira quente com sal e pimenta e uns pedacinhos de alho que passei na chapa só pra dar o ar da graça [vai que grelhar é importante]. Então dispus os discos em um refratário, esquentei o molho de tomate pronto com alho, salsão, manjericão e pimenta. Joguei o molho sobre os discos no refratário e cobri com uma quantidade exagerada de muçarela, umas raspinhas de parmesão e folhas decorativas de manjericão. Depois forno para gratinar.
Você comeria um prato como esse? |
E como esse? |
Antes de ir para o forno fui mostrar o refratário coberto de queijo para os mais desconfiados e perguntei: "Olha que lindo! Você não comeria um prato como esse?". A resposta foi: "Aí é que tá! Pela aparência comeria sem dúvida, o problema é o que ela esconde. É uma armadilha! It's a tramp!". Tive que rir descontroladamente mas segui com os planos.
Na mesa, ainda cercada de desconfiança, a berinjela ao forno foi para os pratos e passou com louvor no seu teste de redenção vegetal. Todos adoraram, ficou melhor que a do restaurante e eu já pude até sugerir, sem cometer nenhuma heresia, uma versão de pizza de berinjela.
Mas... Todo processo é lento e cômico nesta residência e o comentário que obtive quando falei - "Agora você gosta de berinjela, que bom! Você é um amante de berinjela!" - foi esse: "Calma aí! Eu gosto desse tipo de berinjela aqui, com muito queijo e nenhuma outra!"
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